
Escrever sobre o meu sonho de andar de balão me fez relembrar um pouco minha infância. Fico muito feliz pela mudança que Deus fez na minha vida, pois sair do subúrbio do Rio me permitiu entrar em contato com muita coisa e, certamente, me abriu portas. Sou muito grata por ter tido esta oportunidade, mas neste momento que escrevo deixo um pouco minha atual realidade para reencontrar sentimentos e memórias que estavam guardadas em algum canto, empoeiradas, aqui dentro de mim.
Morávamos em uma casa grande, de dois andares, cujo engenheiro não tem diploma, mas é um dos homens mais inteligentes que eu conheço. Meu pai projetou a casa, idealizou ter uma piscina suspensa e, assim o fez. O Muro era de ladrilhos grandes, na cor caramelo com gotas marrom. Eu achava que parecia um doce com chocolate, e doces foram aqueles dias da minha infância.
Sempre tive um quarto para chamar de meu, mas naquela época deixava de dormir sozinha para dormir com a minha mãe. E, não era só eu. Ficávamos todos na mesma cama - eu, minha mãe e meus irmãos. A casa era grande, mas a vontade de estarmos juntos era maior. O tempo passou e hoje já não divido mais a cama com ela.
Minha casa podia ser grande, mas o meu colégio era bem maior. Lembro das rampas, do parque, das professoras Rita e Mônica, do passeio para o sítio do pica pau amarelo, da capela, da formação para levantar a bandeira e cantar o hino pela manhã, de um menino especial que não estudava lá, mas que ficava em cima dos muros e brinquedos altos, do uniforme, do pátio, etc. As datas como páscoa, festa junina, dia do índio e tantas outras eram sempre comemoradas, mas a mais impactante era o dia da bandeira. A escola inteira saia para um desfile pelas ruas do bairro, cantando o hino com bandeiras do Brasil em punho. Não entendia exatamente o sentido, mas sentia orgulho do país. Hoje, não mais.
Lembro-me das brincadeiras de criança embaixo da escada. Eu e meus irmãos fazíamos daquele espaço a nossa casinha, e comprávamos balas, chicletes e chocolates para a nossa dispensa. Quando acabavam os doces, minha irmã mais velha fazia uma mistura de manteiga com açúcar para a nossa comidinha. Era o nosso bolo....e que bolo! Até hoje gosto de manteiga com açúcar, mas nunca mais comi. Hoje, quando quero doce, faço brigadeiro na panela.
Adoro viajar. Acho que essa vontade de sair por aí foi estimulada por uma brincadeira que eu e meus irmãos fazíamos. Nós viajávamos muito dentro da nossa sala. Viajamos com nossos cavalos-almofada e dormíamos em tendas. As grandes almofadas com estampa de cavalo eram perfeitas para deixar nossa imaginação fluir. Nossa tendas eram confortáveis, com lençóis e colchas mais perfumadas do que a tenda real que me acolheu recentemente em uma viagem que fiz para o Marrocos. Tenho viajado com freqüência, mas hoje já não viajo mais com meus irmãos.
Como filhos de comerciantes que somos, brincávamos também de mercado. Cada um com sua banca, oferecendo uma grande variedade de produtos que achávamos pela casa. Muitas outras brincadeiras faziam parte da nossa vida. Sem falar nos dias que a rua fechava para a criançada....aí era queimado, pique pega, pega ladrão, balão maria fumaça, pipa e tudo o mais que alcançava nossa imaginação. Hoje já não brincamos mais....nem mesmo um baralho.
Meus pais foram muito pobres e, acho que por terem tido uma infância sem brinquedos e festas, fizeram tudo o que podiam por nós. Queriam nos dar a alegria que não tiveram. Lembro-me que nossas festas eram lindas, lindas, lindas. Os bolos eram enormes, perfeitos e sempre temáticos. Não consigo nem mesmo descrever de tão perfeito que eram. A nossa cama ficava lotada em dia de festa, sendo parte com meus presentes e parte com os presentes do meu irmão. Os nossos aniversários eram comemorados em conjunto, pois temos somente duas semanas de diferença de data. Hoje em dia já não fazemos festa juntos.
Minha casa só ficava mais cheia de presentes e doces do que em nosso aniversário, em dias de São Cosme e Damião. A maioria do bairro conhecia a fama da minha casa no dia 27 de setembro. As pessoas se amontoavam em frente ao nosso portão na espera dos sacos de doce, roupas e brinquedos. Mesmo depois de ter vindo para cá, minha mãe continuava a dar os doces, mas hoje não mais. Ela era católica. Hoje não é mais.
A festa do Natal, que normalmente as pessoas lembram, não me recordo direito. Minha lembrança maior dessa época é que minha mãe ajudava uma senhora, doando várias roupas e brinquedos para o Natal do bairro, que tinha direito a Papai Noel chegando de helicóptero e tudo. Essa senhora já morreu e hoje o Natal lá não é mais assim.
Outra festa que lembro com saudades é do dia das mães. Minha avó tem 10 filhos e tantos netos e bisnetos que não sei dizer o quanto. A casa ficava cheia e na hora do bolo ficávamos todos em volta da mesa, dávamos as mãos e cantávamos a canção que ainda lembro de cor. Era emocionante ver todo mundo ali. Hoje já não é mais assim. Minha avó ainda vive, mas nunca mais teve aquela integração. Os adultos endureceram e acabou a tradição.
Não tenho medo de crescer, mas de endurecer como vejo que acontece com muita gente. Relembrando um pouco do meu passado, vejo que de alguma forma deixei coisas que me faziam bem, que me emocionavam, estacionarem em algum canto, atrás de alguma pilastra dentro de mim. Não quero estacionar. Quero continuar minha viagem de cavalo rumo ao futuro, com meus irmãos, sair detrás das pilastras da desunião e me unir cada vez mais com minha família. Abraçar e respeitar minha mãe, seja lá qual for sua religião. Continuar admirando a inteligência do meu pai, e, no futuro, preparar bolo de manteiga com açúcar para os aniversários de boneca da minha filha, que desde criança sonhei em ter. Quero continuar a me emocionar com a vida e com os meus. Hoje e sempre, desejo que seja assim.